|
(Conto original da autora portuguesa Dulce Rodrigues © Reservados todos os direitos)
Esta é mais uma estória verdadeira dos meus tempos de menina e moça e de um estranho animal de estimação que tive: uma enguia! Leste bem, tratava-se de uma enguia.
Como talvez saibas, o ensopado de enguias é uma especialidade culinária muito apreciada em Portugal, e os meus pais sempre foram doidos por este petisco.
Assim, um dia, a minha mãe e uma das suas amigas foram ao mercado e compraram enguias.
A minha amiga Graciete e eu tínhamos acompanhado as nossas mães e reparámos que das enguias compradas duas ainda estavam vivas.
Chegadas a casa, apressámo-nos, pois, a ver o que era feito das duas bichezas. Elas continuavam vivas!
Pedimos então para ficarmos com elas, e cada uma das nossas caras enguias tomou lugar num aquário, esses pequenos aquários redondos usados muitas vezes para peixes encarnados.
As enguias afinal também são peixes, não nos podemos esquecer disso.
Apesar de tudo, mesmo tratando-se de uma só enguia, não é coisa muito fácil de ter num aquário pequeno –
o tamanho da nossa amiga enguia em breve tinha ultrapassado o de um peixinho encarnado!
Mudei-a então para um grande recipiente de vidro, que a minha mãe tinha entretanto comprado para o efeito, e a minha amiga seguiu em breve o meu exemplo.
Dávamos-lhe comida para peixes, e as duas enguias estavam cada vez maiores, e bonitas que era um regalo!
Mas, o mais surpreendente de tudo, era a maneira como a minha amiga enguia reagia quando ouvia a minha voz.
É difícil de imaginar que um peixe - seja ele uma enguia ou qualquer outro peixe - possa reconhecer uma voz familiar e tirar a cabeça de fora de água como se nos quisesse cumprimentar.
Pois bem, era exactamente o que fazia esta malandra de enguia que eu tinha adoptado! Mal eu chegava a casa e falava,
eis que ela andava à roda dentro do aquário, com a cabeça fora da água, até que eu a viesse saudar.
Ela não tinha este comportamento com mais ninguém. Era como se soubesse que eu lhe tinha salvo a vida!
Um dia, a minha amiga teve de se ausentar durante algum tempo, e pediu-me para me ocupar da sua enguia, que imediatamente tomou lugar no aquário, ao lado da minha.
Contudo, a recém-chegada não foi bem recebida! A minha amiga enguia, como uma filha única e mimada, teve ciúmes desta invasão de domicílio e
quis mostrar quem era a dona da casa, mordendo a intrusa.
A pobre bicheza conservou para o resto da vida a marca desta mordidela, mas para grande felicidade de todos, elas acabaram mesmo assim por se entender e viver as duas em paz.
O que foi óptimo, visto que a minha amiga já não podia tomar conta da sua enguia e tinha-ma deixado.
Os anos passaram e as duas enguias tinham-se tornado enormes, o que provocava alguns problemas quando da mudança de água do aquário –
o corpo alongado e escorregadio impedia-me de lhes pegar com a rede, como teria feito se se tratasse de um peixinho.
Mudava, pois, a água com elas lá dentro. Fazia com muito cuidado esta operação delicada, mas um dia, uma das enguias escapou-se para os esgotos.
Ao ver a minha tristeza, o meu pai tentou consolar-me dizendo-me que era a melhor coisa que lhe poderia ter sucedido, pois assim ela iria dar ao rio, que era o seu meio natural.
O meu pai tinha razão, e compreendi que devia igualmente dar a liberdade à outra.
E assim o fiz. Alguns dias depois, lancei-a ao rio que corria a alguns quilómetros da nossa casa.
Mas recordar-me-ei sempre com ternura das minhas belas enguias! E espero que tu te recordarás também desta estória.
Gostaste deste conto? Então lê mais outro. O teu amiguinho de quatro patas.
|
|